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Ser um diretor de cinema brasileiro

Luiz Rosemberg Filho

A direção equilibra-se entre o saber, o espaço e o tempo. Trabalha-se com técnicos e atores na busca das personagens, na maior parte das vezes complexas. Modelar personagens é esculpir tempos distintos e vagar pelo espaço. Não falo como teórico (pois não sou) mas como realizador.

Visualizar um filme não é tê-lo rodado. Não existe um só método, mas muitos caminhos possíveis. O importante são dois fatores: a necessidade de se fazer um determinado trabalho e a verdade das personagens, e do trabalho. Como isso nem sempre passa, engole-se lixo como produto de qualidade ou "padrão internacional". E o que é isso? Nada. O que dimensiona um trabalho é toda a sua complexidade desarrumando de maneira sensível o vazio do seu tempo.

Um filme não tem que ser necessariamente um depoimento político, que na maior parte das vezes fica datado. Raro são os filmes como Ivan, o terrível, O bandido Giuliano, O leopardo, Dr. Fantástico, Cidadão Kane, As mãos sobre a cidade, Terra em transe, que sustentam o sabor da eternidade. Exatamente por isso o cinema abre-se como um leque de intervenções no tempo. Como não respeitar e amar Godard, Bergman, Antonioni, Rivette, Rosselini, Pasolini, Visconti e Joaquim Pedro? São maneiras diferentes de dirigir filmes, mas todos são geniais do ponto de vista da criação cinematográfica.

E o que define um diretor? Fundamentalmente a sua capacidade de trocar, de ousar, de sentir e de sempre recomeçar do zero. A cada filme uma nova viagem nas complexidades nem sempre possíveis de serem verbalizadas. Trabalha-se então muito com o silêncio. Especula-se numa infinidade de universos. O espaço de um diretor é pura subjetividade atuando no isolamento nem sempre muito claro de uma idéia. Sua grandeza (se é que existe isso) apresenta-se como capaz de dimensionar o investimento de cada um dando luz onde reina a escuridão. Um filme se faz escutando mais que falando. E nem todos sabem escutar. Têm medo de serem questionados no seu pequeno poder. Um poder extremamente frágil, se não se trabalha com a necessidade.

Ou seja, um diretor move-se através de dúvidas, imagens, silêncios, espaços, pessoas, técnicos, desordens, fragilidades, sentimentos e vaidades. Um diretor não é um Deus ausente na complexidade de uma produção. Ali está com as suas dúvidas, energias, sonhos e riscos. No Brasil, então, esse risco é multiplicado por mil, se você não seguir as ordens de Hollywood para depois ter o seu filminho passado na TV. Ciente de toda a podridão que o envolve, o diretor precisa também aprender a entender. Se não quer fazer idiotismos para consumo, lamentavelmente sofrerá mais. São as regras de um mercado alienado e por isso mesmo injusto.

Num ato onde não se simplifica a complexidade, dá-se existência a subjetividades e comportamentos não lineares. Desloca-se constantemente da luz para a dúvida. E é a dúvida que dá luz a um filme, não a pequena certeza do sucesso. Damo-nos conta então de que o cinema não é apenas a objetividade do mercado, do produtor ou dos meios de comunicação. De algum modo expande-se na direção da música, da dança, da poesia, ou mesmo da pintura. Sai do controle de todos e vaga com a sua fragilidade por pequenos-grandes espaços.

Dirigir é trabalhar na transformação do sensível do tempo-espaço em idéias e imagens complexas ao olhar do espectador. Ao contrário da TV, que estabiliza tudo pelo nível do lixo, a direção de um poema filmado nos revela nossas vitórias e fracassos, mas mantendo sempre a tão combatida originalidade. Nosso cérebro ordena a desordem na reinvenção de impulsos complexos na mobilização do olhar para a desordem necessária. Como bem diz um provérbio japonês da Era Meiji: "As dificuldades são como as montanhas. Elas só aplainam quando avançamos sobre elas". Eu acho que um diretor de cinema, de vídeo, ou mesmo de teatro é um pouco esse avanço essencializando complexidades e afetos.

P.S. Esse texto é para a minha geração, que não defendeu nem elogiou Hollywood, Henry Stone ou a TV Globo.